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sábado, 11 de março de 2017

O irreparável - Spleen e Ideal - Charles Baudelaire.

LIV - O irreparável

Podemos sufocar velho e longo Remorso,
Que vive, se agita e se farta
E se nutre de nós como o verme do morto
Como do carvalho a lagarta?
Podemos sufocar o implacável Remorso?

Em qual filtro, em qual vinho ou em qual infusão,
Afogar o velho inimigo,
Como uma cortesã, destruidor e glutão,
Paciente como uma formiga?
Em qual filtro, em qual vinho ou em qual infusão?

Diz, bela feiticeira, diz, se for sabido,
A essa alma de angústia cheia
E igual ao moribundo a que pisa o ferido,
Que o cavalo pisoteia,
Diz, cara feiticeira, diz, se for sabido,

A esse agonizante a que o lobo fareja
E a quem o urubu espreita,
A esse soldado roto! Se já não deseja
Ter cruz e tumba já feita;
O pobre agonizante que o lobo fareja!

Pode-se iluminar céu negro por acaso?
Podem rasgar-se escuridões
Mais densas do que a pez, sem manhã e sem ocaso,
Sem astros, raios ou trovões?
Pode-se iluminar céu negro por acaso?

A Esperança que brilha nas lajes do Albergue
Foi soprada, morta afinal!
Sem lua e sem clarões, achar onde se albergue
Mártires de via fatal!
O Diabo apagou tudo nas lajes do Albergue!

Feiticeira adorável, gostas dos danados?
Diz, conheces o irremissível?
Conheces o Remorso, em venenos traçado,
De quem somos alvo possível?
Feiticeira adorável, gostas dos danados?

O irreparável rói com suas presas malditas
Nossa alma, triste construção,
E por vezes a atacar, às térmitas igual,
Pela nossa base elas vão.
O irreparável rói com suas presas maldita!

- Vi por vezes ao fundo do teatro banal,
Que inflamava a orquestra sonora,
Uma fada acender em um céu infernal
Uma miraculosa aurora;
- Vi por vezes ao fundo do teatro banal

Um ser, que somente era clarão, ouro e gaze,
Pisar o enorme Satanás;
Mas o meu coração, que êxtases não tem quase,
É um teatro mesmo contumaz
Na espera, sempre em vão, do Ser de asas de gaze!

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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