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sábado, 11 de março de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire.

LVII - A uma Madona

Ex-voto¹ ao gosto espanhol

Ó Madona, ó senhora, um altar vou erguer
Subterrâneo no fundo da minha desgraça,
E vou cavar num canto mais negro em meu ser,
Longe do anseio laico e do olhar de chalaça
Capela, azul e ouro toda marchetada,
Onde tu te erguerás, Estátua deslumbrada;
Com meus Versos polidos, de puro metal,
Sabiamente cravado em rimas de cristal,
Farei pra tua cabeça um enorme Diadema
E pelo meu ciúme, ó Madona suprema,
Mandarei te fazer um Manto, de maneira
Bárbara, dura e espessa, à prova de suspeita,
Que, como uma guarita, encerrar-te-á os encantos;
Não bordado de Pérolas, mas dos meus Prantos!
Teu Vestido será meu Desejo, a tremer,
Ondulante, o Desejo a subir e a descer,
Nas pontas se projeta, nos vales repousa,
E reveste de um beijo o corpo branco e rosa.
Far-te-ei do respeito os mais belos Calçados
De cetim pra teus pés divinos humilhados,
Que, os aprisionando num suave abraço,
Como um molde fiel guardarão o teu traço.
Se não puder, malgrado a arte dedicada,
Talhar para Escabelo uma Lua prateada,
Eu porei a Serpente a morder-me as entranhas
Sob os teus pés a fim que pises suas manhas,
Rainha vencedora e fecunda em reparos,
O monstro todo inchado de ódio e de escarros.
Verás os meus Pensares, Círios alinhados,
Ó Rainha das Virgens, no altar enfeitado,
De brilhos estrelando o teto azul pintado,
Olhar-te sempre com olhar afogueado;

E como tudo em mim te quer muito e te admira,
Tudo é Benjoim, e Incenso, o Olíbano, e Mirra,
E sempre rumo a ti, crista branca e alterosa,
Em Vapor subirá, minha alma tempestuosa.

Enfim, pra completar teu papel de Maria,
E pra mostrar que amor com barbárie se alia,
Volúpia negra! dos Pecados capitais,
Com remorsos algoz, farei sete Punhais
Bem afiados e, malabar insensível,
Tornando o mais profundo amor meta atingível,
Plantá-los-ei no teu Coração vacilante,
Coração soluçante, Coração jorrante.

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

¹Ex-voto: peça de cera ou outro material, quadro, inscrição, etc., que os fiéis põem na igreja, a fim de agradecer uma graça recebida. (N. do E.)

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