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quinta-feira, 30 de março de 2017

LXXVI - Spleen

*O nome do poema é "Spleen" então, para diferenciar dos demais, apenas o nome do poema ficará como título e o número do poema.
*Há 4 poemas de nome "Spleen" na seção "Spleen e Ideal", então o diferencial será o número do poema como venho também o enumerando aqui no blog.

LXXVI - Spleen

Tenho lembranças mais que tivera  mil anos.

Móvel grande, gavetas de planos lotadas,
Versos, meigos bilhetes, processos, romanças,
Envoltas em recibos, há pesadas tranças,
Que têm menos segredos que a mente magoada.
É como uma pirâmide, imenso porão,
Mais que em vala comum, ali mortos estão.
- Eu sou um cemitério da lua odiado,
Onde, como remorso os vermes se arrastam,
Que os meus mortos mais caros sempre mais atacam.
Sou velho aparador com rosas desbotadas,
Onde jazem ruínas de modas passadas,
Onde os pastéis chorosos e Boucher¹ apagados,
Sós, respiram o odor de um frasco destapado.

Nada iguala em langor os dias claudicantes
Quando, aos pesados flocos dos anos nevados,
O tédio, que é fruto da incuriosidade,
Assume as proporções da imortalidade.
- Doravante, não és, ó matéria vivente!
Senão granito em meio a um espanto ingente,
Escolhido no fundo de Saara brumoso;
Velha esfinge ignorada do mundo ocioso,
Esquecida no mapa e cujo humor valente
Só canta sob os raios do sol no poente.

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

¹François Boucher (1703-1770), pintor francês. (N. do E.)

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