LVIII - Canção da tarde
Embora os cílios maldosos
Te deem esse jeito estranho
Que não é o de um anjo,
Bruxa de olhos carinhos,
Minha frívola, eu adoro-te,
Minha terrível paixão!
Com toda essa devoção,
Por seu deus, do sacerdote.
O deserto e o bosquedo
Perfumam-te as tranças rudes,
Tem tua cabeça atitudes
Do enigma e do segredo.
Tua carne é sempre cheirosa
Qual do turíbulo o entorno;
Encantas como um sol morno,
Ninfa quente e tenebrosa.
Ah! mesmo os filtros mais fortes
Não valem tua preguiça,
E conheces a carícia
Que faz reviver os mortos!
Tuas ancas são amorosas
De tuas costas e teus seios,
E encantas os travesseiros
Com tuas poses langorosas.
Às vezes, para acalmar
Tua raiva misteriosa,
Prodigalizas, bondosa,
O morder e o beijar;
Me rasgas, minha morena,
Com teu riso zombeteiro,
E pões em mim teu brejeiro
Olhar da lua serena.
Sob sapatos de cetim,
Sob teus pés de seda fina,
Ponho o que há de alegre em mim,
O meu gênio e a minha sina,
Minha alma por ti curada,
Por ti, toda luz e cor,
Grande explosão de calor
Nesta Sibéria gelada!
BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.
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