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sábado, 31 de julho de 2021

Quadros Parisienses - Charles Baudelaire

 XCV - O crepúsculo da tarde


Eis a noite encantada, amiga do bandido;

Ela vem como cúmplice, a passo escondido;

Lento se fecha o céu como uma grande alcova,

E o homem impaciente em fera se renova.


Ó noite, amável noite anelada por quem

Tem os braços que podem dizer: Neste dia

Nós trabalhamos! - É a noite que alivia

As mentes que uma dor rude devorar vem,

O sábio obstinado de fronte a pesar,

E o obreiro alquebrado em seu leito ao deitar.

Na atmosfera, entretanto, demônios malsãos

Pesadamente acordam, como homens de ação,

E chocam, a correr, biombos e para-vento

Através do luar a que atormenta o vento,

A Prostituição se acende em avenidas;

Tal como formigueiro ela abre as suas saídas;

Por toda parte ela abre algum caminho escuso,

Assim como o inimigo tenta um golpe sujo;

Ela remexe ao seio da urbe em lama e informe

Como verme que esconde ao Homem o que come.

Ouvem-se cá e lá cozinhas a assoviar,

Os teatros a ganir, orquestras a roncar;

As mesas de hóspedes em que é delícia o jogo,

Enchem-se de vadias e de escroques logo,

E os ladrões que não têm nem trégua nem mercê

Começam seu trabalho, isso logo se vê,

E forçam portas e os caixas em instantes

Para viver uns dias e vestir amantes.


Recolhe-te, minha alma, neste grave instante,

E fecha teu ouvido ao rugido constante.

É a hora em que a dor do doente se agrava.

A noite os pega na garganta; assim se acaba

O seu destino e vão para o abismo comum;

Enchem o hospital suspiros. Mais de um

Não virá aqui buscar a sopa perfumada,

Ao pé do fogo, à noite, junto da alma amada.


Ainda a maioria jamais conheceu

A doçura do lar e nem nunca viveu!