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quinta-feira, 2 de março de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire.

XLVIII - O frasco

Há perfumes tão fortes que objeto qualquer
Lhes é perigoso. Podem mesmo se meter
Pelo vidro. Ao abrir um cofrinho do Oriente
O fecho barulhento range fortemente,

Ou em casa deserta armário do passado,
Cheio do acre odor dos tempos, negro, empoado,
Acha-se às vezes algum frasco que recorda,
De onde brota bem viva uma alma que retorna.

Mil pesares dormiam, fúnebres crisálidas,
A tremer suavemente nessas trevas pálidas,
Que suas asas abrem e ao céu são alçados,
Marchetados de azul, rosa e de ouro incrustados.

Eis aí as lembranças que ébrio voo atingem
No ar turvado; olhos se fecham; a Vertigem
Torna a alma vencida e a empurra com as mãos
Para o vórtice escuro dos miasmas humanos;

Ele a esmaga junto a abismo secular,
Onde Lázaro olente, o sudário ao rasgar,
Move ao se despertar o defunto espectral
De velho amor rançoso, encanto sepulcral.

Assim, quando estiver perdido na memória
Dos homens, num cantinho de sinistro armário,
Quando for atirado, frasco desolado,
Decrépito, poeirento, abjeto, fissurado,

Serei o teu esquife, amável pestilência!
Testigo da tua força e tua virulência,
Caro veneno feito por anjos! Licor
A me roer, ó vida e morte de meu cor!


BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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