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sábado, 11 de março de 2017

Canto de outono - Spleen e Ideal - Charles Baudelaire

LVI - Canto de outono

I

Logo mergulharemos nas trevas geladas;
Adeus, vivo clarão dos tão curtos verões!
Percebo cair já, em fúnebres pancadas,
A lenha barulhenta em pátios e porões.

Todo o inverno entrará no meu ser: o odiar,
Raiva, tremor, horror, labor duro e forçado,
E, assim como o sol no inferno seu polar,
Meu coração será bloco rubro e gelado!

Parece-me, embalado em assalto de sono,
Que se prega, apressado, algures, um caixão.
Pra quem? - Eis o outono; era ontem verão!
O ruído misterioso cai como abandono.

II

Amo a luz esverdeada desse vosso olhar,
Doce beleza, mas hoje tudo é engano,
E nada, vosso amor, nem a alcova ou o lar
Vale o sol resplendente por sobre o oceano.

E, entretanto, amei-me, terno coração!
Sede mãe, para um ingrato até, ou delinquente;
Irmã ou amante, sede a doce transição
De um glorioso outono ou de um sol poente.

Curta tarefa! A tumba ansiosa está ao dispor!
Ah! Deixai-me, no colo a fronte reclinada,
Haurir, saudoso, o estio branco e abrasador,
Do final da estação a luz suave e dourada!

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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