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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire

XXIII – A cabeleira

Ó velo, até junto ao colo a se estender!
Ó cachos! Ó abandono que a perfume cheira!
Êxtase! Para a alcova escura preencher
Das lembranças dormentes nessa cabeleira,
Como um lenço agitá-la no ar eu vou querer!

A langorosa Ásia e a África abrasada,
Todo um mundo distante, ausente, quase vão,
Vive nas profundezas, selva perfumada!
Como espíritos outros na música vão,
O meu, ó meu amor! No teu perfume nada.

Irei aonde o homem e a saciada planta
De seiva pasmam sob o tempo mais ardente;
Sede-me, forte trança, a onda que me levanta!
Conténs, ó mar de ébano, um sonho ofuscante
De velas, remadores, mastros flamejantes:

Um esplêndido porto em que minha alma está
A beber o perfume, todo o som e a cor;
Onde os barcos deslizam no ouro e tafetá,
Abrem seus vastos braços a enlaçar a glória,
De um céu puro onde freme o eterno calor.

Enfiarei a cabeça embriagada de amor
Nesse negro oceano em que o outro se enliça;
E minha alma sutil da marola ao sabor
Saberá encontrar-vos, fecunda preguiça,
Balanços infinitos de olente torpor!

Ondas azuis, pendão de trevas estendidas,
Devolveis-me o azul do céu redondo e imenso,
Nas penugens das bordas das mechas torcidas
Embriago-me ardente em fragrâncias unidas
Do óleo de coco, musgo e do alcatrão espesso.

Sim, muito tempo! Sempre! A mão nas tuas tranças,
Vou semear rubis, pérolas e safiras,
A fim de aos meus desejos nunca surda seres!
Não és, acaso, o oásis que sonhos me inspiras,
Onde sorvo abundante o vinho da lembrança?


BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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