Como é bom ver, cara indolente,
Do teu corpo belo,
Como um tecido reluzente,Cintilar a pele!
Em tua profunda cabeleira
Com acres perfumes
Onda odorante e passageira
De azul e negrumes,
Como um navio que desperta
À brisa bem cedo,
Minha alma sonhando se apresta
A um céu de segredo.
Teus olhos, que nada revelam
De suave ou de fero,
São frias jias em que se mesclam
O ouro e o ferro.
Ao ver o ritmo em que avanças,
Bela em solidão
Dir-se-ia serpente que dança
Presa a um bastão.
Ao fardo da tua inteligência
A tua fronte infante
Balança com malemolência
De um jovem elefante,
E teu corpo se alonga e aderna,
Fina caravela
Que oscila bordo a bordo e interna
No mar sua vela.
Como onda inchada na fusão
De gelos rangentes,
Quando a água sobe em profusão
Pra junto aos teus dentes,
Creio beber vinho da Boêmia,
Amargo e loução,
Líquido céu que me semeia
Sóis no coração!
BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário