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sábado, 4 de fevereiro de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire.

XXI – Hino à Beleza

Vens do céu mais profundo ou do abismo saíste,
Ó Beleza! O olhar teu infernal e divino
Lança confusamente o bem que há, o mal que existe,
E por isso se pode comparar-te ao vinho.

Nos olhos tu conténs a aurora e o acaso;
Despejas teus perfumes qual noite chuvosa;
Os teus beijos são filtro e tua boa um vaso
Que fazem frouxo o herói e a criança corajosa.

Sais do abissal negrume ou descendes dos astros?
Como um cão o Destino a tuas saias se apega;
Tu semeias ao léu alegria e desastres,
E tu governas tudo e a responder te negas.

Caminhas sobre os mortos, Beleza, faceira;
De tuas jóias o Horror não é a menos atraente,
E o Assassínio, entre as peças de primeira,
Sobre o teu ventre altivo dança amavelmente.

A efêmera ofuscada vai a ti, candeia,
Crepita, inflama e diz: Esta tocha bendigo!
O amante zonzo sobre a bela cambaleia
Parece um moribundo de sua tumba amigo.

Venhas tu dos infernos, do céu, pouco importa,
Beleza! Monstro enorme, espantoso, inocente!
Se o teu olho, o sorriso, o pé, me abrem a porta
De um infinito que amo e nunca fui ciente?

Satã ou Deus, que importa? Anjo ou Sereinha,
Que importa se tu tornas – fada olhos de veludo,
Ritmo, perfume, luar, ó minha só rainha! –
Menos feio o universo e leves os minutos?


BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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