XXI – Hino à Beleza
Vens do céu mais profundo ou do abismo saíste,
Ó Beleza! O olhar teu infernal e divino
Lança confusamente o bem que há, o mal que existe,
E por isso se pode comparar-te ao vinho.
Nos olhos tu conténs a aurora e o acaso;
Despejas teus perfumes qual noite chuvosa;
Os teus beijos são filtro e tua boa um vaso
Que fazem frouxo o herói e a criança corajosa.
Sais do abissal negrume ou descendes dos astros?
Como um cão o Destino a tuas saias se apega;
Tu semeias ao léu alegria e desastres,
E tu governas tudo e a responder te negas.
Caminhas sobre os mortos, Beleza, faceira;
De tuas jóias o Horror não é a menos atraente,
E o Assassínio, entre as peças de primeira,
Sobre o teu ventre altivo dança amavelmente.
A efêmera ofuscada vai a ti, candeia,
Crepita, inflama e diz: Esta tocha bendigo!
O amante zonzo sobre a bela cambaleia
Parece um moribundo de sua tumba amigo.
Venhas tu dos infernos, do céu, pouco importa,
Beleza! Monstro enorme, espantoso, inocente!
Se o teu olho, o sorriso, o pé, me abrem a porta
De um infinito que amo e nunca fui ciente?
Satã ou Deus, que importa? Anjo ou Sereinha,
Que importa se tu tornas – fada olhos de veludo,
Ritmo, perfume, luar, ó minha só rainha! –
Menos feio o universo e leves os minutos?
BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal.
Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo,
2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário