XXX - De profundis clamavi¹
Imploro a tua piedade, Tu, único amor,
Do escuro abismo em que caiu meu coração,
É um universo morno de plúmbeo desvão,
Onde nadam à noite a blasfêmia e o horror;
Sol falto de calor paira acima seis meses,
Noutro seis meses noite a terra vem toldar;
É um lugar mais nu do que a terra polar;
- Nem bichos, nem riachos, nem matas, nem messes!
Orá, não há horror nesse mundo maior
Que a fria crueldade de um sol sem calor
E esta imensa noite ao velho Caos igual;
Eu tenho inveja até desse vil animal
Que pode em sono estúpido até mergulhar,
Tão lenta é a meada do tempo a desafiar!
BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.
¹De profundis, salmo 130, é um dos salmos penitenciais da igreja católica. A linha inteira do verso em latim é De profundis clamavi ad te, Domine, "Das profundezas clamo a ti, ó Senhor". (N. do T.)
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