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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire

XVI - Castigo do orgulho

No tempo extraordinário em que a Teologia
Floresceu com mais seiva e com mais energia,
Dizem que certo dia um doutor eminente,
- Depois de ter forçado os corações descrentes;
De ter-lhes revolvido as negras profundezas
Dos ímpares caminhos dele não sabidos,
Que só espíritos puros tinham percorrido -,
Como homem que, no alto, tolhido de pânico,
Num ímpeto, gritou, com orgulho satânico:
"Jesus, ó Jesusinho! Elevei-te bem alto!
Mas quisera eu tocar-te no que tens de falto
Na armadura, o teu pejo igualaria a glória,
E não serias mais que cria derrisória!".
Imediatamente a razão lhe faltou.
O brilho desse sol de um luto se velou,
Todo o caos penetrou naquela inteligência,
Outrora templo vivo de ordem e opulência,
Sob os tetos do qual tantas pompas brilharam,
Nele o silêncio agora e a noite se instalaram.
Como se fosse um porão cuja chave é perdida,
Então ficou igual aos bichos da avenida,
E, quando ele se ia embora nada vendo
Pelos campos, iguais inverno e verão sendo,
Sujo, imundo e feioso como coisa usada,
Era da criançada objeto de risada.

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

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