LXXXV - O relógio
Relógio! Deus sinistro espantoso, impassível,
Cujo dedo ameaça e nos diz: Recordai!
As Dores mais vibrantes que o teu peito vai
Guardando ficarão como em alvo atingível;
Vapores do Prazer para o horizonte irão
Tal como sílfide por trás dos bastidores;
Cada instante devora-te um pouco dos sabores
A cada homem cedido por toda a estação.
Três mil e seiscentas vezes na hora o Segundo
Cochicha: Recordai! - Rápida em voz sonora
De inseto. E no momento diz: Eu sou Outrora,
E inalei tua vida com nariz imundo!
Remember!¹ Recordai, pródigo! Esto memor!²
(Fala todo idioma o meu pomo em metal.)
Os minutos são como as gangas, ó mortal,
Que não são pra atirar sem extrair o ouro!
Recordai! O tempo é um jogador que vai
Ganhando sem roubar, toda mão! É assim,
O dia cai; a noite cresce, recordai!
O abismo sede tem; chega a clepsidra ao fim.
Logo soará a hora em que o divino Acaso,
Em que a augusta Virtude, tua esposa intocada,
Em que o Arrependimento (ó última morada!),
Em que tudo dirá: "Morre, é passado o prazo!".
BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.
¹Em inglês, "recordai". (N. do E.)
²Em latim, "recordai". (N. do E.)
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