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domingo, 9 de abril de 2017

Spleen e Ideal - Charles Baudelaire.

LXXXIII - O Heautontimoroumenos¹

A. J. G. F.

Sem cólera em ti baterei
Como o açougueiro, sem sanha,
Como Moisés na montanha,
E de tua pupila farei,

Para molhar meu Saara,
Brotar as águas do sofrer.
Meu desejo com esperança
No amargo pranto nadará

Como um navio no mar vaga,
E no peito que embriagarão
Teus caros ais reboarão
Como um tambor que bate a carga.

Não sou acaso um falso acorde
Nessa divina sinfonia,
Graças à vivaz ironia
Que me sacode e que me morde?

Está na minha voz gritante!
É o sangue negro gira!
Sou o espelho deformante
Em que a megera se mira.

Eu sou a chaga e a espada!
Sou o rosto e o bofete atroz!
Sou o membro e a roda dentada,
E sou a vítima e o algoz!

Do meu coração sou vampiro,
- Um desses grandes largados
Ao riso eterno condenados
E que não tem mais sorriso!

BAUDELAIRE, Charles. Flores do Mal. Tradução de Mario Laranjeira. 2ª Reimpressão. Editora Martin Claret. São Paulo, 2014.

¹Título tomado de uma comédia de Terêncio: O carrasco de si mesmo, provavelmente por intermédio de Joseph de Maistre (Terceira palestra sobre As noites de São Petersburgo). (N. do E.)

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